Parto: de onde vem a palavra “cesariana”?


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parto cesárea é mais que conhecido – no Brasil, voltou a crescer desde 2020, de acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – mas a origem da palavra ainda gera muita curiosidade. Não é para menos: a busca pela sua etimologia é tortuosa e de longuíssima data.

A hipótese mais difundida tem origem histórica e chama a atenção pelo caráter narrativo e até mítico. Segundo essa versão, o termo teria sido originado com Júlio Cesar (Julius Caeser, em latim) – sim, o imperador romano. A lenda começou a se propagar com a crença de que o líder político e militar nasceu não por um parto vaginal, mas por incisão abdominal.

A questão é que a mãe do imperador sobreviveu ao nascimento do filho, o que seria praticamente impossível naquela época (muitos anos antes de Cristo), já que a medicina e os fármacos ainda não estavam desenvolvidos para isso. A abertura do abdome para a retirada do bebê, vale dizer, só acontecia em caso de morte da mãe – no Império Romano, foi promulgada uma lei que proibia o sepultamento da mulher sem a retirada do feto. Essa prática, aliás, já era muito mais antiga, presente até na Mitologia Grega: Asclépio (deus da medicina) é retirado do útero da ninfa Coronis, morta por Artemis, irmã de Apolo, o pai do bebê.

A lenda que se torna (quase) verdade

Mesmo com o nascimento de Júlio César por via abdominal tendo sido desconsiderado, alguns estudiosos latinos consagrados, como Plínio, o Velho, traçaram uma relação entre a palavra e o nome. Aqui, vale ressaltar, há um importante fator de confusão: em determinado momento, César deixa de ser apenas sobrenome e passa a ser também um título. É o que dá origem ao alemão “kaiser” e ao russo “ksar/tsar”. Além disso, Júlio não foi o primeiro a receber esse nome. Segundo o dicionário etimológico Doulgas Harper, se essa de fato é a origem da palavra, ela pode estar ligada a algum ancestral do imperador, questão que não fica tão clara na explicação de Plínio, ao falar do “primeiro dos Césares, retirado por corte do útero materno”.

Isidoro de Sevilha foi outro estudioso a estabelecer essa relação – dessa vez, mais direta. “César foi assim chamado por ter sido extraído após o corte do útero de sua mãe morta”, escreveu em Etymologias, obra do século VI d.C., retomando a confusão sobre sobrevivência de Aurélia, mãe do imperador. A partir desses autores, foi traçada a etimologia (ou seja, a origem e a evolução da palavra) de Caesar até caedere, verbo que significa “cortar”.

Porém, apesar de a ligação entre o nome e o vocábulo ser amplamente contestada por filólogos modernos (que se apoiam, sobretudo, no significado de “cabeleira” para caedere, desconsiderando completamente a relação com o nome/título), acredita-se que o termo caiu na boca do povo – ou, melhor, nos registros médicos.

Documentada pela primeira vez no século XVI, em língua francesa, a palavra césarienne apareceu no livro de François Rousset, Traité nouveau de l’hystérotomotokie ou Enfantement caesarien. De adjetivo passou a ser usado também como substantivo, foi traduzido para outras línguas e… Bom, o resto é história. O fato é que, possivelmente a partir de uma crença, o termo pegou.


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Glauber Gomes

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