Para uma boa leitura Dr. Marcio Leite escreve: Apenas um minuto!


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Ela me pede um minuto. Não me pediu dinheiro, pediu um minuto, apenas um minuto. Estou apressado, tenho que apanhar o carro da minha filha no posto, verificar o andamento da reforma da casa, é dia da festa de Yemanjá, trânsito over caótico, etc… Mas ela pede um minuto, assim, no meio da rua, sob o sol do verão da Bahia. Não parece muito o que pede, não. Mas quanto vale um minuto em tais condições, quando economizamos segundos, fração… Não é uma pedinte, reparo; não, sim, é uma pedinte: uma pedinte de tempo. Desconfio que trabalha para a Unicef, vejo o logotipo no bolso da blusa. Provavelmente aquele minuto prolongar-se-á, ela tentará me mostrar o que a Unicef tem feito em nossa terra, discursará sobre a necessidade de apoio às crianças, sempre em risco numa cidade vítima do capitalismo selvagem que massacra os países que perderam o bonde do desenvolvimento. No final, após o eufemismo que representa o pedido de tempo, ela me pedirá dinheiro. Não muito, o possível, para ajudar crianças carentes, inúmeras e intermináveis crianças carentes que brotam como musgo nas vielas úmidas, embaladas pela miséria nossa de todo dia. Meus passos ágeis não me deixam parar, sou arrastado pela força centrífuga da pressa, do medo do compromisso, da alienação imposta por uma vida repleta de movimentos defensivos, fugitivos, egoístas. Não, não falam a meu favor as tantas vezes que parei para uma escuta, um bom dia, um sorriso, eventualmente até um “não, muito obrigado”. Desta vez, desta maldita vez, eu não parei. Ela ficou no ar, com o sorriso abortado pelo desapontamento, talvez o milésimo do dia. Detesto ser como todo mundo, agir como todo mundo, mas há ocasiões em que não passo disso. Atravessei a rua e caminhei em passos rápidos e comprometidos até a passarela. Havia um mundo de coisas supostamente importantes a me esperar do outro lado da avenida. Um mundo distante da pedinte de tempo. E se um minuto fosse realmente tudo o que ela queria? Não sei, perdi a chance de saber.

Marcio Leite


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Glauber Gomes

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